Saúde mental infantil

Saúde mental infantil

“Vida de criança é muito chata: é só ver desenho e dormir”. Maria Clara, 5 anos.

Essa foi uma das frases mais impactantes que escutei neste último mês. E tenho certeza que vocês ouviram inúmeras semelhantes nestes últimos tempos. E porque falar disso neste mês de janeiro?

Em janeiro, evidencia-se o Janeiro Branco, mês da campanha sobre saúde mental. Psicólogas, psiquiatras, enfermeiras e a comunidade dedicam este mês para poder conversar sobre os impactos da preservação (ou não) da saúde mental na vida cotidiana. Mas e as crianças? Sobre, como e de que forma falamos sobre elas neste mês?

Há 10 meses as crianças deixaram de ir à escola, ficaram, muitas delas, confinadas em casa com seus familiares mais próximos. As visitas aos avós, aos amigos, o compartilhamento de brincadeiras nos espaços comuns de condomínios e setores ficaram restritas ao ambiente de casa. Muitas famílias se desdobraram para oferecer o que podiam para tornar esse tempo o menos danoso possível. As escolas tornaram suas aulas remotas para conseguirem acompanhar, ainda que minimamente, o processo de ensino-aprendizagem. As videochamada, jogos online, aumentaram significativamente.

Mas essa foi a realidade de todas elas?

Infelizmente, não. Muitas crianças tiveram que dividir os espaços de sua casa com seus irmãos, pais – agora desempregados, quando não, tiveram que ir as ruas para poder vender balas e doces para complementar a renda de sua família. As escolas públicas de nosso país, por falta de recursos e incentivo público, ficou restrita à sua localização fixa, não conseguindo alcançar as crianças durante esse tempo. É como se não existisse escola nestes dez meses. É como se as possibilidades de ser e estar na pandemia, se restringisse ao uso de celular.

E quais as consequências disso, quando tratamos de saúde mental?

Nós sabemos que as crianças dessa década já nasceram imersas na realidade tecnológica, muitas delas não sabem nem o que é uma brincadeira de cobra-cega ou “bet”. Mas as consequências desse uso desenfreado de celular e seus jogos e vídeos online tem chegado por meio das próprias palavras ditas pelas crianças. A vida ficou chata sem os amigos, sem a professora, sem as brincadeiras físicas e presenciais, ficou chata por ter que ajudar os pais a trabalhar. Pensa só, a vida de ver desenhos também se tornou chata. E a vida mediada somente por um celular não é a infância que diariamente prometemos as nossas crianças.

Ainda que falar sobre saúde mental envolva uma série de fatores sociais, econômicos e políticos, principalmente se pensarmos a necessidade de políticas públicas que sejam eficazes na promoção de saúde mental infantil, como, inclusive, de como essas políticas foram – ou não foram – apresentadas em tempos pandêmicos, cada um de nós temos um papel essencial na construção de uma sociedade viva para as crianças. Até porque, o problema não é deixar uma criança ver desenho ou não – e aí pensar que está tudo bem, mas como nós, adultos, mediamos esse desenho, pela forma como mediamos as tecnologias.

Por fim… O que nós podemos fazer para garantir que, não no futuro (com aquela frase bem clichê “as crianças irão salvar o mundo”), mas hoje, a gente construa uma infância viva e significativa?

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Autora: MARIA JULIA DE OLIVEIRA SILVA | Psicóloga – CRP 09/12822

Graduada em Psicologia – Bacharelado e Licenciatura, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Na graduação atuou como monitora de inclusão do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE/UFG), integrou o Programa Crisálida (UFG), atuando em uma comunidade de Aparecida de Goiânia, e realizou estágio em Psicologia Escolar. Possui interesse em desenvolvimento humano, infância e adolescência, contextos de políticas públicas e sociais. Atua como psicóloga clínica com base na psicologia sócio-histórica. É integrante do Programa Desenvolver – Assessoria e Consultoria Escolar.

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