Atualidades e psicologia

Queer coding e Queerbaiting: A possibilidade de ser LGBTQIA+ no cinema

Queer coding e Queerbaiting: A possibilidade de ser LGBTQIA+ no cinema

Do não dito aos romances LGBTQIA+ atuais. A trajetória e a criação de personagens que fogem da norma heterossexual no cinema. Nem todo gay é vilão e afeminado. 

 

Queer coding é a forma de apresentar personagens LGBTQIA+ sem deixar explícito a sua sexualidade ou identidade de gênero. No geral, isso é feito usando de estereótipos sociais no cinema e em séries, deixando os personagens mais palatáveis para o público geral. 

Personagens queer começam a aparecer no cinema de forma afeminada e inofensiva para o arco dos personagens principais. Seu andar, forma de gesticular e entonação de voz já deixa claro que não se trata de um personagem heterossexual, mas também não é explícito que ele não seja.  

Um exemplo disso é o Android da saga “Guerra nas Estrelas” C3PO. Além de apresentar os trejeitos estereotipados, ele não apresenta uma forma completamente humana, algo recorrente na criação desses personagens. Até hoje, com a criação de personagens abertamente LGBTQIA+ esse estereótipo segue firme e forte com o agora “melhor amigo gay” da protagonista. 

Outra forma de apresentar um personagem LGBTQIA + é através do vilão. A violência direcionada ao protagonista do mesmo gênero pode ser entendida como uma forma de expressar os seus desejos homoafetivos.  

Na cena em que Raoul Silva de “007 – Operação Skyfall” captura James Bond há um subtom sexual no diálogo dos dois. Essa representação se estende também aos servos devotos do vilão, como o Le Fou em “A Bela e a Fera”, com sua uma admiração que beira o amor platônico por Gaston, ou até mesmo o Smithers em “Os Simpsons”. 

O encontro desses dois estereótipos é nítido no personagem Ele do desenho infantil “As Meninas Super Poderosas”. Com uma performance extremamente afeminada, o personagem se torna um dos vilões principais do desenho infantil.  

Assim como em “A Pequena Sereia” e “O Rei Leão”, os vilões desses desenhos infantis são personagens que fogem da norma héterossexual, do padrão heteronormativo. Além disso são desfigurados, seja pela cicatriz no olho do Scar ou a forma antropomórfica de Úrsula.  

Nesse ponto, cabe ressaltar que nenhum desses três vilões vivem em sociedade comum. Tanto Úrsula quanto Scar são expulsos e forçados a viver às margens e nas sombras de uma sociedade apresentada aos espectadores como próspera e feliz, muitas vezes pela ausência dos marginalizados  

Desenhos infantis tem um histórico longo de criação de vilões queer, a lista se estende para outras animações como em Aladdin, Kim Possible, Pokemon, A Nova Onda do Imperador, Alice no País das Maravilhas, 101 Dálmatas entre outros. Deixo aqui um questionamento: por que tantos vilões queer em animações infantis? 

A partir dos anos 60 vemos também a criação de personagens trans assassinos, sendo os mais emblemáticos Norman Bates de “Psicose” e Buffalo Bill em “O Silêncio dos Inocentes”. Mesmo quando o personagem trans não era o assassino, o seu destino era morrer. Esse é o caso de filmes como “Clube de Compras Dallas”, “A Garota Dinamarquesa” e “Meninos Não Choram”. 

A morte permeia constantemente a narrativa ao redor de personagens queer. Por muitos anos, filmes voltados para esse público e com esse tipo de personagem eram sempre histórias sobre HIV/AIDS. Um final feliz era impossível para esse tipo de personagem, reforçando que, no final das contas, ele não segue a norma social esperada e  não pode ser atendido pelo que cabe a quem se encaixa nesse padrão. Seja o final feliz ou até mesmo a continuidade da vida nas narrativas.  

A partir dos anos 90 novos personagens surgem na televisão, questionando alguns estereótipos sobre sexualidade e podendo se desenvolver para além de um personagem unidimensional. “Will and Grace” faz isso criando uma nova categoria: o alívio cômico.  

Jack McFarland reforça o estereótipo afeminado e artístico, mas também desenvolve outras relações para além do núcleo principal e fala abertamente sobre a sua vida sexual. Anos depois, “How I Met Your Mother” apresenta um personagem gay que planeja começar uma família. “Queer as Folk” e “The L Word” foram séries pioneiras com protagonistas LGBTQIA + contando histórias dimensionais e complexas sobre as vidas, relações e cotidiano dos seus personagens. 

 

De Queer coding para Queerbaiting.  

A outra face da moeda é mostrada quando é insinuado que um personagem seja queer ou mantenha uma relação com outro personagem do mesmo gênero. Normalmente, esse tipo de personagem é introduzido em uma série para adolescentes ou jovens-adultos como acontece em “Teen Wolf”, “Sherlock”, “Star Wars: Episódio IX” e “Supernatural”, mas isso não impede que apareçam também em conteúdo voltado ao infantil como é o caso de “Frozen”.  

Pode-se fazer a leitura que Elza é uma personagem queer, ainda que, novamente, o queer coding aja de modo a transformar as manifestações de sua identidade sexual em conflitos puramente familiares ou do universo feminino. Na narrativa, a infância de Elsa mostra ela sendo estimulada a esconder aquilo que lhe faz diferente dos outros, ela esconde seus sentimentos reais com medo de como os outros ao seu redor irão reagir e a sua história gira em torno de autoconhecimento.  

No segundo filme criou-se a expectativa de uma namorada para Elza, com base na recepção da comunidade LGBTQIA+ à narrativa dessa poderosa rainha. Mais uma vez, não foi o que aconteceu. 

Somente no período mais recente novas histórias estão sendo criadas com protagonistas abertamente queer que fogem dos estereótipos afeminado, vilão, alívio cômico e destinado à morte. Felizmente, estamos diante da criação de personagens tridimensionais com etnias, classe social e idades diferentes que podem ser felizes, encontrar amor e viver em sociedade.  

Produções como “Heartstopper”, “Young Royals”, “Feel Good”, “Crônicas de São Francisco”, “Sex Education”, “Brooklyn 99”, “Eu Nunca”, entre outras, contam novas histórias e dão novas possibilidades para os seus personagens. Grande parte desse trabalho é resultado direto de textos e reflexões como essa, mas também do movimento de uma indústria cultural que tem se aberto para a diversidade na sala dos roteiristas, diretores e produtores executivos. 

 

Autor:

Conrado Rocha Pereira

Psicólogo CRP 09/15567

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