O caso Henry Borel e a necessidade de psicoeducar a sociedade para atentar-se contra a violência doméstica infantil

O caso Henry Borel e a necessidade de psicoeducar a sociedade para atentar-se contra a violência doméstica infantil

O caso do garoto Henry Borel (4 anos), muito transmitido e debatido nas últimas semanas, tem chocado as pessoas devido sua brutalidade, nos remetendo o questionamento sobre violência doméstica de crianças no Brasil e às necessidade de psicoeducar a sociedade para atentar-se a escutar e observar o comportamento destas.

Filho de pais separados, Henry estava morando com a mãe e seu namorado há dois meses e no dia 08 de março foi levado ao hospital por ambos, já morto, segundo o laudo médicos Para o hospital, disseram que o garoto caiu da cama, no entanto, para a polícia do Rio de Janeiro este relato de acidente doméstico é fantasioso, pois a criança apresentou diversas lesões internas e lacerações no corpo sendo a causa da morte, hemorragia interna e laceração hepática, impossível assim, uma queda ter causado a morte, pois a polícia afirma que houve violência física. No dia 08 de abril, a mãe e seu namorado foram presos após a polícia ter acesso às troca de mensagens entre a mãe e a babá de Henry, estas comprovam que ele estava sendo torturado pelo namorado dela, já havia algum tempo com o conhecimento da mesma. O namorado tem um histórico violento e acusações de ex-esposas e namoradas.

O pai de Henry, que passou o final de semana antes do ocorrido com o filho relatou que a criança já havia apresentado resistência em voltar para a casa em que morava nos últimos dois meses e no último encontro, chegou a chorar a ponto de vomitar, se recusando a retornar. Ele ainda completou com a prece do filho: “Papai, não quero mais voltar pra casa da mamãe, deixa eu ficar mais um dia com você.” O pai disse que sempre desconfiou da segurança do filho na nova casa em que estava vivendo, porém a mãe da criança o tranquilizava.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, diariamente são notificadas no Brasil, em média, 233 agressões de diferentes tipos, contra crianças e adolescentes com idade até 19 anos. Casos de agressões como o de Henry, embora choque tanto as pessoas, acontecem no país a todo momento. Segundo Azevedo (1995), violência doméstica contra criança é definido como:

Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que — sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima — implica de um lado numa transgressão do poder/dever de proteção de adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos de direitos e pessoas em condição de desenvolvimento (p. 36).

O LACRI (Laboratório de Estudo da Criança), apresenta quatro modalidades principais de violência doméstica infantil: violência física, violência psicológica, violência sexual e negligência. Henry, estava sendo violado na maioria destas modalidades, o que nos ressalta uma realidade ocorrente: a violência cometida contra crianças e adolescentes é produzida em uma via em que há desconsideração destes enquanto sujeitos, ignorando o fato de terem direitos enquanto cidadãos, sendo esta uma relação de submissão e poder em que o indivíduo mais velho exerce sobre a criança, indivíduo este que deveria proteger e não proporcionar a violência.

Uma característica da violência doméstica infantil é o silêncio instalado à sua volta que na maioria dos casos só é findado quando atinge os limites da crueldade. Isso ocorre porque as pessoas acreditam que criança é responsabilidade dos pais ou responsáveis, estes são quem sabem quais medidas e a intensidade destas, aplicadas aos seus filhos, surgindo a naturalização de ações violentas contra crianças e adolescentes. O LACRI defende a postura de que é preciso chegar antes que uma criança se torne um prontuário médico ou uma notícia no jornal.

Outro fator necessário de questionamento é a desvalorização da fala e comportamentos da criança, fator este construído em nossa sociedade. Os adultos aprenderam estruturalmente a desvalorizar o que a criança lhe traz, não as escutando devido à pouca idade e dificuldade de comunicação, muitas vezes evitando ouvi-la corretamente e observá-la. Mesmo com fatores não observados, as crianças deixam sinais claros que vivem problemas, como mudanças repentinas no comportamento, tendência ao isolamento, distúrbios de sono e comportamentos violentos ou agressivos. É necessário estar atendo a todos os sinais apresentados por uma criança, para de fato estar protegendo-a.

Para que nossa sociedade não se choque mais com notícias como essas, é preciso valorizar e ver a criança em sua totalidade, evoluir seus conceitos sobre o desenvolvimento infantil, sempre se mostrando disponível para escutar a criança e atentar-se aos sinais de mudança de comportamento, observando e investigando também quando uma criança não quiser contato com alguém, não gostar de um ambiente ou pessoa, não quiser voltar pra casa, pois na maioria destes casos, rejeição e medo andam juntos. Vale salientar ainda, que todos nós enquanto sociedade somos responsáveis pela criança, segundo o artigo 5º do ECA, que ressalta que temos o dever de denunciar formalmente qualquer violência contra crianças. Guerra (1998), relata a extrema importância que esse assunto seja conversado, pesquisado e entendido por pais, educadores e pela sociedade em geral.

Existem diversas medidas a serem tomadas quando há suspeita de maus tratos contra crianças e adolescentes, como por exemplo, denúncias aos conselhos tutelares, delegacias de proteção à criança e adolescente e o disque 100. Um terreno fértil para a discussão e execução de medidas de psicoeducação é a escola, ambiente com espaço para o diálogo. Henry, no entanto, não teve o mesmo espaço em seu caso, se passando como invisível para aqueles que deveriam o amparar. Este é não só um relato sobre o caso, mas também um apelo. Escutem as crianças. Sempre!

 

Referências:

AZEVEDO, M.A. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: compreensão do fenômeno no Brasil. In: I Jornada internacional sobre a infância e violência doméstica/proteção e prevenção.1995, São Paulo. Anais…. São Paulo: Laboratório da criança LACRI/IPUSP, 1995. P. 1-19.

Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13/07/90. BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

GUERRA, V.N.A. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3. ed. São Paulo: Cortez; 1998. p. 32.

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Autora: MONARA DE PAULA LOURES OLIVEIRA | Psicóloga – CRP 09/14223

Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e pós- graduanda em Psicologia da Saúde Hospitalar e Psico-oncologia pelo Instituto Monte Pascoal (INCURSOS). Possui experiência de atendimento individual e grupal com acusados e vítimas de violência doméstica, jovens usuários de drogas e autores de crimes de menor potencial ofensivo. Atende adolescentes, adultos e idosos pela abordagem Gestalt-terapia em diversas demandas auxiliando por meio do autoconhecimento a encontrarem sua melhor versão.

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