Um olhar breve sobre a dependência química
A dependência química é um assunto que causa muitas perguntas e indagações, quando estava no quinto e sexto período da faculdade em 2016, consegui uma vivência de estágio não obrigatório com dependentes químicos e psiquiátricos no hospital psiquiátrico Casa de Eurípedes. Falar de dependência química é um assunto delicado, extremamente necessário onde há muitas formas e tratamento na dependência química.
A abordagem que eu mais tenho propensão a seguir é a terapia cognitivo-comportamental. Mas, não necessariamente ela seria a única que trabalharia questões de tratamento das dependências químicas, há outros modelos que também trabalham. Quais seriam eles? Condicionamento clássico, condicionamento operante, cognitivo-comportamental, psicanalítico, aprendizagem social, sistêmico, psicoterapias humanísticas etc. Estes seriam alguns modelos de tratamento em psicologia.
Todos as pessoas que usam alguma substancia psicoativa é dependente? Não, existem diferenças. De acordo com Daniel Cruz (2013), o uso, abuso e a dependência são diferentes níveis com aspectos e consequências diferentes, sendo assim, usar uma substancia seria uma forma de experimentar ou consumir de forma esporádica ou em episódios, não tendo prejuízos. No abuso, há a presença de um tipo de consequência prejudicial seja ela psicológica, física ou social e na dependência, ocorre uma perda do controle e os prejuízos cognitivos são maiores.
Para Cláudio Silva (2013), o modelo cognitivo de Beck é voltado para um esquema de crenças, pensamentos automáticos, emoções e comportamentos que determinam como avaliamos uma determinada situação. Uma das psicólogas era da abordagem cognitivo-comportamental e por isso era bem presente a questão de trabalhar a reestruturação de pensamentos e de crenças, assim como a psicoeducação.
Nos grupos que participei, o número de dependentes que já apresentavam até mesmo algum prejuízo cognitivo e também crenças distorcidas de si, do mundo e com utilização de estratégias compensatórias era muito grande. Antes de ir à casa de Eurípedes, nunca tinha tido muito contato com essa parte da psicologia presencialmente além dos livros e estando lá, pude perceber o quanto essa visão cognitivo-comportamental e outras se faziam e se fazem presente na dependência química. Deste modo, Cláudio Silva (2013) diz que sendo essa uma hipótese, há certa probabilidade, portanto, de que no decorrer da terapia se tenha novas formulações de crenças disfuncionais sem erros cognitivos, mudando assim o comportamento.
No hospital há o contato com pacientes alcóolicos, narcóticos e psiquiátricos, mas de todos os grupos terapêuticos, citarei o AA. Algo em geral que consegui captar de todas as crenças mais comuns nos pacientes, era uma crença central distorcida e nisto a maioria dos pacientes tinham o pensamento automático de querer utilizar alguma substância para anular ou até mesmo aliviar a devida crença central disfuncional.
O hospital tem um programa de atividades para cada dia da semana que o paciente deveria realizar, na época a psicóloga dizia muito: “É uma forma de que eles aprendam e vejam que conseguem sim fazer muitas coisas”. Nunca tinha entendido teoricamente até estudar de forma mais profunda essa questão de estratégias compensatórias, e nisto passei a perceber o quanto realmente fazer as atividades diárias era e é fundamental para pacientes que se enquadrem nesse caso. Então lá eles cuidavam da horta, faziam marcenaria, arte terapia, eco terapia, terapia ocupacional entre outras, sendo estas fundamentais no tratamento.
Por meio dessas atividades era possível realizar em conjunto com a psicoterapia uma reestruturação deste pensamento disfuncional, logo do comportamento e a seguir da crença central. É claro que somente o psicológico não afeta ou influencia para o desenvolver de uma dependência química. Nisto, a psicologia cognitivo-comportamental também considera os aspectos do cultural/social em que o indivíduo está inserido, assim como, também observa aspectos cognitivos e biológicos como a propensão genética e quais prováveis alterações são realizadas no cérebro.
O ponto de encontro dessas funções seria denominado de acordo com Claúdio (2013) de craving, um lugar onde os aspectos cognitivos e biológicos se encontram. De um ponto de vista neurológico essa temática está relacionada com a dopamina, um neurotransmissor que está referente com a emissão de prazer após o uso da substância ou uma lembrança (memória) do prazer. O craving estaria ligado a uma crença de expectativa positiva, que se dá por meio do córtex pré-frontal ligado ao sistema de recompensa encefálico.
Além do tratamento psicoterápico voltado para a questão de reestruturação de crenças, há também um tratamento voltado para a prevenção de recaídas. Hoje de acordo com Flávia Jurguerman (2013), há enorme eficácia no tratamento de prevenção de recaídas onde são ensinados ao paciente métodos através da psicoeducação de identificar situações que o levem ter uma provável recaída, treinamento de habilidades sociais, reestruturação da rotina e até mesmo em muitos casos de sua rede social.
Os fatores que influenciam na recaída, são os fatores intrapessoais e os interpessoais. Os pacientes com dependência de alguma substância, durante ou após a terapia podem enfrentar muitas dificuldades ao passarem por situações que demandem estímulos ambientais que exijam um certo autocontrole de si. Então, é necessário que o psicoterapeuta trabalhe algumas técnicas de prevenção a recaídas com estes pacientes, sendo estas um treinamento tanto da modalidade comportamental quanto cognitiva.
Em relação a algumas técnicas, a de habilidades sociais foi primeiramente criada por Lazarus que de acordo com Zanellato (2013), deram origens a outras técnicas e habilidades de enfrentamento de situações consideradas de ameaça. São comuns a utilização do desenvolver por meio de treinamento as seguintes técnicas de habilidades sociais: aceitar e fazer elogios, expressar opiniões, defender os próprios direitos, admitir a ignorância, resistir as tentações e entender os prejuízos físicos, psíquicos etc.
Por meio da psicoeducação, em um âmbito mais comportamental é percebido e passado ao paciente técnicas que evitem a recorrência, ou seja, um modo linear de prevenção de recaída. De acordo com Marllat e Gordon (1985), há uma esquematização de modo linear da recaída na dependência química.
E como ela ocorreria? Geralmente, o indivíduo está em uma situação que promove um alto risco de recaída e ele tem duas opções: A primeira, ele pode ter uma resposta de enfrentamento considerada positiva que se dá por meio de não utilizar nenhuma substancia. A segunda, ele tem a opção de emitir uma resposta considerada negativa que se dá por meio da utilização de alguma substancia química ilícita ou lícita. Na primeira, essa resposta diminuirá assim as chances de emitir um comportamento de recaída e na segunda resposta, aumenta as chances do mesmo ter uma recaída. É neste aspecto que se deve intervir, ensinando práticas cognitivas e comportamentais para que o indivíduo não tenha uma recaída em seu vício.
Concluindo, dedicar-se com a dependência química é ter pacientes com um enorme ganho durante o tratamento, é ver seu crescimento tanto pessoal em quesitos da autoestima, quanto interpessoal. Mas, também é ver aspectos de perdas e recaídas com possíveis dificuldades de aderir o tratamento. Então, há de se ter uma visão positiva e realística considerando o biopsicossocial dessa pessoa com foco no problema atual do ser, visando assim, a melhora com uma meta de que aquele ser humano se torne o seu próprio terapeuta no futuro com as técnicas que terá a sua disposição para a utilização.
Referências:
ZANELATTO N.; LARANJEIRA R. 2013. O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais. São Paulo, Editora Artmed, 560 p.
MARLATT GA.; GORDON JR, editors. 1985. Relapse prevention: maintenance strategies in the treatment of addictive behaviors. New York, Guilford.