Neuropsicologia e a consciência

Neuropsicologia e a consciência

Sempre me perguntava sobre como é a visão da neuropsicologia/neurologia sobre a consciência. E estudando mais sobre a neuropsicologia em diversos aspectos, acabei por encontrar uma explicação mais neurológica. O sistema reticular ativador ascendente (SRAA) de Moruzzi e Magoun (1949), afimam que a capacidade de se estar acordado e agir de modo consciente depende da atividade do tronco cerebral e do diencéfalo, os quais exercem poderosa influencia sobre os hemisférios cerebrais ativando e mantendo o tônus essencial para a performance normal.

Isso é interessante, por que essa mesma região é considerada de acordo com Luria (1976) uma das regiões onde se está presente a função da primeira unidade funcional. Sendo que, a primeira unidade funcional tem justamente a função de regulação do tônus cortical, a vigília e os estados mentais.  E onde surge o SRAA? Ele surge no tronco cerebral e sua função se estende até o córtex, por meio de projeções talâmicas.

De acordo com Dalgalarrondo (2008) os elementos significativos para a ativação cortical, são os neurônios da parte superior do mesencéfalo. Estes neurônios recebem assim os impulsos da maioria das vias ascendentes, trazendo assim, estímulos intrínsecos e extrínsecos. Lesões ou disfunções no SRAA podem causar alterações do nível de consciência e em funções psíquicas. Embora, já há atualmente verificações de que várias estruturas do telencéfalo, também participem na gênese da consciência.

E além do SRAA, o tálamo e as regiões do córtex parietal e pré-frontal direito tem importância estratégica para o funcionamento da consciência. O tálamo serve para filtrar, integrar e regular as informações que chegam ao cérebro, ou seja, dados que partem do tronco cerebral e se dirigem ao córtex e ao subcórtex. Uma lesão no tálamo levaria a graves alterações no nível da consciência, como por exemplo, o delirium (Trzepacz; Meagher; Wise, 2006).

Quais seriam as alterações normais da nossa consciência?

O sono: É um dos estados normais de alteração, onde é um estado necessário e de fase fisiológica normal do nosso organismo. Nisto temos duas fases, o sono REM que é dessincronizado e com movimentos rápidos dos olhos – rapid eye movements. E o sono NREM, sono este que é sincronizado e sem movimentos rápidos dos olhos. O sono não-REM se caracteriza por conter atividade elétrica cerebral síncrona, com diminuição da atividade do sistema nervoso autônomo simpático e aumento referente do tônus parassimpático, continuando com um funcionamento mínimo de vários parâmetros fisiológicos, como a frequência cardíaca e respiratória.

Neste tipo de sono, temos quatro estágios. O estágio um é mais leve e superficial, com atividade regular do eletroencefalograma (ECG). O estágio dois é um pouco menos superficial, o estágio três é um sono mais profundo, com o ECG mais lento. E o estágio quatro é o sono mais profundo, com o ECG bem mais lento. O sono REM não se encaixa nesses estágios, mas no ECG é mais parecido com o nível um dos estágios do sono NREM.

O sono REM é um sono qualitativamente diferente, com instabilidade do sistema nervoso autônomo simpático e com variações cardíaca, respiratória etc. E é neste tipo de sono que se tem a maior parte dos sonhos, e se dá maior ativação das vias neuronais que ligam o tronco ao córtex occipital. Em uma noite normal de sono, as fases dos sonos se repetem de forma cíclica a cada 70 e 110 minutos, com 4 a 6 ciclos por noite.

O sonho: Também é considerado uma alteração normal da consciência. Os sonhos são vivencias predominantemente visuais, sendo rara a ocorrência de percepções auditivas, olfativas e táteis. Devido às ondas ponto-geniculo-occipitais que ativam as áreas corticais visuais do lobo occipital durante o sonho.

Quais seriam as alterações patológicas da nossa consciência?

Para responder a essa pergunta, temos que entender que há dois tipos de alterações patológicas da consciência. Estas seriam as alterações patológicas quantitativas e as qualitativas. Vamos primeiramente, discutir as quantitativas e logo a seguir as qualitativas. Nas alterações patológicas quantitativas da consciência, o nível da consciência diminui, desde o estado normal até o estado de coma profundo. E são:

Obnubilação da consciência: Neste, há um rebaixamento de leve a moderado da consciência. O paciente tem uma diminuição do grau de clareza do sensorial com uma maior lentidão, dificuldade de entendimento e dificuldade de concentrar-se.

O coma: É o grau mais profundo e forte de rebaixamento da consciência. Não há nenhuma atividade voluntária consciente, além de nenhum sinal de consciência. Há ainda graus de coma, sendo eles o grau I – semicoma, grau II – coma superficial, grau III- coma profundo e grau IV – coma dépassé.

Sopor: Estado esse onde é marcante a turvação da consciência, no qual o paciente pode ser despertado, mas apenas por um estímulo forte e geralmente doloroso.

Estado onírico: O paciente está em um estado semelhante ao de um sonho muito vívido. Predomina-se a alucinação visual intensa e muita carga emocional.

O delirium: É uma síndrome psicopatológica devido ao rebaixamento do nível da consciência. É mais comum em ambientes clínicos diários, principalmente em pacientes com doenças somáticas e idosos. O mesmo vem acompanhado de desorientação temporoespacial, dificuldade de concentração, ansiedade, agitação ou lentificação psicomotora, discurso ilógico, confuso e/ou alucinações.

Nas alterações qualitativas da consciência, há uma série de estados alterados de consciência e uma parte está normal e outra parte está alterada.

Estados crepusculares: É uma obnubilação da consciência, mas com o acompanhamento de relativa conservação da atividade motora coordenada. Há também, amnésia lacunar para o episódio inteiro. Sendo assim, o paciente pode somente se lembrar de alguns detalhes de forma isolada. Foi associada a epilepsia, mas hoje também pode ocorrer em casos de intoxicações por álcool ou outras substancias, traumatismo craniano e choques emocionais.

Dissociação da consciência: É uma divisão do campo da consciência, ocorrendo uma perda da unidade psíquica comum. É observado um estado parecido com um sonho, onde é geralmente desencadeado por acontecimentos significativos que gerem ansiedade. Alguns pacientes, tem uma dissociação em nível agudo e nisto ocorre uma crise pseudo-epiléptica contendo movimentação do corpo semelhante ao da epilepsia.

Transe: Estado em que se assemelha a estar sonhando acordado. Contudo, contém a presença de atividade motora, acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários.

Experiencia de quase-morte (EQM): Pode ocorrer quando há uma vivencia em situações críticas de ameaça a perda de vida. Alguns dos que sobrevivem a estas situações, acabam por relatar uma experiencia de quase-morte, onde dizem estar fora do corpo, em estado de paz etc. Em uma pesquisa de Nelson e colaboradores (2006), sobre esses casos de EQM, houve resultados que demonstraram que seria a consequência da invasão de atividade cerebral do sono tipo REM nas pessoas enquanto passavam por essas experiencias.

Conclui-se então, que a consciência é um processo complexo e que precisa muito ainda ser estudada no campo neurológico. Mas, que é de extrema importância para a avaliação em hospitais, clínicas etc. Pois, qualquer alteração no nível da consciência repercute no funcionamento psíquico.

 

Referencias:

DALGALARRONDO, P. 2008. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. A consciência e suas alterações. Porto Alegre, Artmed, p. 88-100.

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