Gênero e sexualidade no contexto acadêmico e na prática profissional de psicólogos(as)
O intuito dessa discussão não é o de impor, mas, sobretudo promover em cada um de nós uma reflexão crítica em relação a atitudes muitas delas até preconceituosas para com o outro – até mesmo para com o cliente. A relevância disso é trazer aspectos relacionados a gênero e sexualidade na contemporaneidade, visto o seu atual desdobramento principalmente para acadêmicos e profissionais de Psicologia. Será que estamos preparados para atender essa demanda que é tão plural?
Pois bem, qual o nosso papel diante do tema em questão? Uma vez que não escolhemos a quem atender em nossos espaços ocupacionais. A Universidade tem pensando em incluir essa discussão no Projeto Pedagógico dos cursos de Psicologia? E, se a resposta for não? Não cabe a nós buscamos compreender essas categorias? Mas, será que estamos dispostos a realmente buscar compreender (gênero e sexualidade), ou simplesmente fingimos que nada disso tem relevância? Estamos pensando e agindo para tornarmos críticos e não acríticos? E as ideologias positivistas, conservadoras, segregadoras, fazem parte de nossas práticas? De fato esses questionamentos tem mexido muito comigo enquanto sujeito social e acadêmico de Psicologia. Um dos motivos reais que me fez querer tornar-me psicólogo foi ao conhecer o Projeto Ético-Político da profissão, que se compromete com uma nova ordem social, a fim de eliminar todas as formas de preconceito, exclusão e opressão e assim poder fazer a diferença.
Tendo em vista o Código de Ética da Psicologia (2005), como aquele norteador da prática profissional, este atribui alguns princípios fundamentais, os quais destaco: I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos; II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; e, IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática. E por fim, é vedado ao profissional de Psicologia: b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais.
Assim sendo, é relevante assumir uma postura que de fato atenda os princípios fundamentais desse Código, para zelarmos de nossa profissão. Para tanto, é triste depararmos em pleno século XXI com alguns profissionais que usam da Psicologia enquanto ciência tratando-a como senso comum. Ora, se ainda hoje nos deparamos com profissionais e futuros profissionais usando de suas crenças, ideologias pessoais, culturais e etc, em suas intervenções e, até em seus discursos cotidianos, existe algo a ser pensado e mudado. Para tanto, acredito ser necessário ao que dizia Husserl (1986), ao propor que o indivíduo suspenda todo juízo sobre os objetos que o cercam; que nada afirme nem negue sobre as coisas, adotando uma espécie de abandono do mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude, denominada redução fenomenológica ou “epoquê”, leva-nos a um tipo particular de conhecimento, em oposição ao conhecimento objetivo, o categorial.
Todos nós, trazemos crenças, ideologias, culturas (…), porém, em se tratando de fazer ciência exercendo uma profissão, colocando-a em prática a partir de uma lei que a regulamenta, algumas questões precisam ser levadas mais a sério. Neste caso, existem inúmeras discussões que insistem em mexer com aquilo que trazemos de nós. Podemos citar inúmeras categorias que precisamos ainda hoje discuti-las e que muitas vezes deixamos sempre “debaixo do tapete”, porque fere aquilo que trazemos e aprendemos ser o socialmente construído como certo e/ou aceito. Neste caso, o caminho mais viável não seria o da desconstrução?
Falar de gênero e sexualidade nos dias de hoje, não é falar simplesmente em homossexualidade; abrange inúmeros aspectos, até mesmo o papel da mulher na sociedade. Por exemplo, com base em que a mulher deve ser tímida, recatada, do lar, fraca, feminina, ótimas para fazer compras em supermercados porque estão acostumadas com coisas de casa (…). Qual o impacto de pensamentos como estes na vida das mulheres, ainda hoje? Crianças que não tem pai ou mãe, porque sua família se configura entre neto(a) e avós, tios e tias, pais adotivos (…). Crianças que na escola assumem um comportamento “diferente” do esperado e/ou adequado para seu sexo biológico e sofrem todo o tipo de violência por seus “colegas” naquele ambiente. Enfim, falar de gênero e sexualidade envolve uma gama de questões que fazem a pluralidade nos diversos espaços sociais e institucionais que estamos inseridos. Falar de gênero e sexualidade é tratar de relacionamentos, prazeres, gozos, desenvolvimento humano.
Diante dessa pequena reflexão, o que você tem feito para mudar essa realidade opressora? Se nada, comece a (re)pensar a sua prática profissional e o seu cotidiano, pois uma vez que escolheu tornar-se psicólogo(a), assumiu o compromisso de nortear essa prática de forma ética. Neste sentido, faço inferência de que a intenção dessa discussão como dito no início é fomentar um desejo de consciência crítica, para que os aspectos culturais, religiosos, morais e, ideológicos não sobrepõem o olhar da cientificidade. A tarefa é árdua, mas necessária, principalmente em se tratando de uma profissão tão séria e comprometida com a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, como a Psicologia. Pense nisso e, se necessário mude enquanto há tempo.
“Querer ser livre é também querer livres os outros.”
Simone de Beauvoi
Autor:
Stênio Marques Cunha – Assistente Social e Acadêmico do 5º Período de Psicologia
Assistente Social graduado pela Universidade Federal de Goiás (2013), com ênfase em Direitos Humanos. Acadêmico de Psicologia na Faculdade Estácio de Sá de Goiás. Especialista em Educação Inclusiva (UNIASSELVI, 2015). Especialista em Políticas Públicas (UNIASSELVI, 2017). Cursando Especialização em Psicanálise Clínica (INCURSOS). Experiência em atendimento Psicossocial, nas políticas públicas de Assistência Social, Saúde, Educação e, Conselho de Direito da Criança e do Adolescente. Atualmente membro do grupo de estudos de “Gênero e Sexualidade” pela Rede Goiana de Psicologia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, vol. 1 e vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BRASIL/Conselho Federal de Psicologia. Decreto nº 53.464 de 21/01/1964 que regulamenta a Lei nº 4.119 de agosto de 1962. Disponível em: www.portalsaude.net/4119_1962.html, acesso em 10/07/2010.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n° 010, de 21 de julho de 2005. Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: 3.
HUSSERL, Edmund. (1986). A Ideia da Fenomenologia, Lisboa: Edições 70.
LEFEBRVE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo, 1991.
SARTRE, J.-P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica, tradução de Paulo Perdigão, Petrópolis: Vozes, 1997.