Etnocentrismo acadêmico na Psicologia: O caso do livro “História da Psicologia Moderna” de Shultz & Schultz

Etnocentrismo acadêmico na Psicologia: O caso do livro “História da Psicologia Moderna” de Shultz & Schultz
Talvez um dos livros mais
vendidos nas universidades de psicologia do Brasil seja “História da Psicologia
Moderna” dos autores Duane P. Schultz e Sidney Ellen Schultz, atualmente
editado pela Cengage Learning, que tem como objetivo introduzir a psicologia
aos recém ingressados estudantes nos cursos de graduação. Mas não somente isso,
tal livro também é utilizado em programas de pós-graduação (mestrado e
doutorado) em todo o país. Mas porque estou escrevendo um texto falando de um
livro?
Simplesmente porque a formação de
um psicólogo, inevitavelmente, passará por várias páginas de diversos livros,
dos quais, os de história da psicologia são extremamente importantes. O livro
em questão foi escrito por dois professores, pesquisadores em psicologia
estadunidenses que sintetizaram em quase 500 páginas a pretensa história da
psicologia mundial.
Os 15 capítulos da 9ª Edição do
livro, tratam, respectivamente sobre os seguintes temas:
  1. O estudo da história da
    psicologia
  2. As influências filosóficas na
    psicologia
  3. As influências fisiológicas na
    psicologia
  4. A nova psicologia
  5. Estruturalismo
  6. Funcionalismo: as influências
    anteriores
  7. Funcionalismo: fundação e
    evolução
  8. Psicologia aplicada: a herança do
    funcionalismo
  9. Behaviorismo: as influências
    anteriores
  10. Behaviorismo: os antecedentes
  11. Behaviorismo: período
    pós-fundação
  12. A psicologia da Gestalt
  13. Psicanálise: Os antecedentes
  14. Psicanálise: Período pós fundação
  15. Evolução da psicologia
    contemporânea

 

Interessante notar que, em 15
capítulos, 6 (do capítulo 6 ao 11) são quase exclusivamente separados para a
explanação de uma psicologia notadamente estadunidense, e os autores parecem
manifestar pouco interesse em explanar, nos capítulos anteriores ou
posteriores, outras influências do pensamento psicológico: Em quase 500 páginas
de livro, nomes como Piaget (pai da teoria socioconstrutivista), Vigotski, (pai
da teoria histórico-cultural), Pearls (pai da Gestalt-Terapia), ou Moreno (pai
do Psicodrama), grandes teóricos, nem ao menos são nomeados.
Outro aspecto interessante é que,
geograficamente o livro é bastante seletivo: Não há nenhum registro de nenhuma
psicologia fora dos Estados Unidos ou da Europa. Não há nenhuma exposição do
pensamento psicológico na América Latina, África ou Ásia. Ao exemplo da
negligência do nome de Vigotski, pai da teoria Histórico-Cultural, cuja obra
foi realizada sob a epistemologia marxista na Antiga União Soviética, que é um
dos teóricos em franca ascensão no ocidente, não há ao menos a menção de seu
nome como um teórico fora do eixo EUA/Europa.
O que este livro evidencia, é o
pensamento academicamente etnocêntrico da psicologia norte-americana e a forma
como ainda temos um pensamento científico colonizado por UMA DAS DIVERSAS
POSSIBILIDADES de pensamento na psicologia, e como a ciência, em suas formas de
registro pode ser tendenciosas.
Precisamos ter um pensamento
crítico a respeito dos conteúdos que a nós, psicólogos, são ministrados durante
a nossa graduação, e buscar novas formas de pensar a nossa ciência: Este livro
é apenas um exemplo, de como a história pode ser perpassada, também, por
fatores políticos, e não somente científicos.
O objetivo deste texto não é
desmerecer a obra, de forma alguma, pois o mesmo contém um excelente registro histórico, principalmente das vertentes de base histórica funcionalistas, mas é apontar a necessidade urgente de
atualização do mesmo, e demonstrar que a psicologia é muito mais ampla do que a
visão de um autor específico. E aos estudantes de psicologia, fica a observação
de que ao se basear somente em uma obra, corre-se o risco de perverter-se toda
uma formação.
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Imagem: Extraída do Google Imagens
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