Considerações críticas sobre a História da Psicologia

Considerações críticas sobre a História da Psicologia

Para se pensar as origens de uma ciência parte-se geralmente, de um marco fundante. A Psicologia tem o seu marco inicial associado com a criação do laboratório experimental de Leipzig por Wilhelm Wundt em 1879. Mas esse marco expressa muito pouco sobre sua história como ciência e profissão. Portanto, para compreendê-la deve-se partir de uma perspectiva histórica que parte da totalidade social em que a Psicologia se insere (Yamamoto, 1987).

O surgimento e o estabelecimento da Psicologia enquanto ciência independente ocorrem paralelamente com o surgimento e o estabelecimento da ideologia de uma formação histórico-social específica: as sociedades capitalistas europeias. Neste sentido, a ciência psicológica aparece associada com as demandas do capital (Yamamoto, 1987).

O final do século XIX, período de nascimento da Psicologia, é um momento de grandes modificações e transformações históricas na sociedade europeia. Nesta se estabeleceram novas relações de propriedade, familiares e estatais que engendraram a necessidade de uma ciência e de práticas capazes de compreender e manter a ordem social atuando no nível individual (Parker, 2014).

Em resumo, diante da ascensão do modo de produção capitalista e dos ideários da Revolução Francesa a Psicologia se desenvolveu como um instrumento mantenedor do capitalismo. Tendo a função de controlar o sujeito trabalhador nos âmbitos sociais conforme as necessidades atribuídas ao mercado. Isso implica uma atuação de funcionalidade nos estudos e aplicações desenvolvidos. Tendo em vista que, seus objetivos teóricos e práticos se delineavam pela busca de soluções que fossem capazes de produzir respostas que correspondessem a ideias e objetivos específicos do capitalismo.

A visão de mundo e de homem desse período determinaram não só o indivíduo mas as práticas científicas e seus objetivos. A Psicologia enquanto ciência foi o reflexo acrítico de práticas científicas exercidas conforme a determinação ideológica desse contexto. Respondendo prontamente as determinações dominantes com seus aparatos científicos.

Nesse intervalo, o ser humano que despendia sua força de trabalho se torna um objeto a ser estudado e controlado. Diante disso, as possibilidades de humanização vão sendo distorcidas e a reificação humana evidente. E por mais que sejam significativas as diferenças entre a Psicologia exercida nos séculos XIX e XX, percebem-se que vários traços mantenedores do status quo permanecem com outras roupagens na atuação psicológica atual.

Patto (2009) reitera que a história da Psicologia não está abstraída da história social, política e econômica do país em que foi e é produzida ou atua. Para a autora, tanto a história da produção da Psicologia quanto a história brasileira estão intrinsecamente ligadas, ou seja, se determinam mutuamente. A ciência não surge do vácuo ou da neutralidade.

Para aprofundar melhor este aspecto no contexto brasileiro, é necessário a compreensão da historicidade que culminou na autonomização da Psicologia como instrumento dos poderes dominantes do Brasil aliado ao projeto de modernização nos ditames capitalistas vigentes do período.

As ideias psicológicas foram utilizadas desde a colonização do país pelos religiosos e intelectuais propensos a manutenção de coroa portuguesa. Nesse período, o objetivo era controlar e dominar para explorar. Durante o império no Brasil acontecia uma higienização moral em que as ideias psicológicas sustentavam essa prática (Bock, 2009).

No Brasil República houve mudanças econômicas no país e as ideias psicológicas caminharam com elas. A Psicologia de pouco a pouco, foi tomando espaço enquanto ciência e serviu para avaliar e selecionar quem entrava ou não no sistema regular de ensino, preparando e definindo a elite dirigente e os seus subordinados distinguindo quem faria o trabalho intelectual e o braçal ou quem seria internado nos hospitais sem fins terapêuticos direcionados à higienização moral. A naturalização da desigualdade social encontrou na Psicologia um instrumento naturalizante da aptidão intelectual que diferencia grupos e indivíduos (Patto, 2009).

Nesse período os saberes psicológicos foram utilizados para sustentar ideias racistas e controlarem  as revoltas dos negros escravos contra a opressão e o escravismo (Antunes, 2012). Portanto, tanto na ciência, quanto na profissão apareceram estudos em que os preconceitos predominaram no desenvolvimento da Psicologia no Brasil República (Patto, 1999).

No Brasil, a Psicologia ainda não era uma ciência autônoma, pelo contrário, estava sempre articulada com outras áreas, em especial medicina e educação. A autonomização da Psicologia acompanhou um conjunto de transformações da sociedade brasileira, em que a tendência a incorporar conhecimentos produzidos na Europa e os Estados Unidos passou a ser cada vez mais dominante (Antunes, 2012).

Em 27 de agosto de 1962 a Lei n° 4119 é regulamentada e com ela a profissão do psicólogo e o currículo mínimo para sua formação. A Psicologia completa sua autonomização respondendo as necessidades do projeto político, econômico e social da nova classe dominante que reiterava como meta a modernização industrial da sociedade. Após a regulamentação da profissão, o Brasil sofre um golpe militar e outras tantas transformações sociais aconteceram. Após o golpe há saturação de profissionais em detrimento de pouca oferta de empregos, expansão da oferta de cursos de Psicologia e o surgimento de perspectivas expressando a oposição aos interesses dominantes e buscando comprometimento com a maioria da população (Antunes, 2012).

A fidelidade as necessidades específicas de dominação ligou as práticas Psi’s à manutenção de relações desiguais na história e se mantém até a atualidade embora, existam diversas teorias que rompam com essa prática. A Psicologia no Brasil, desde sempre, atuou reforçando a desigualdade estrutural e o controle, fortalecendo a ideologias e sustentando a ordem vigente. Portanto, está aqui a importância de se construir críticas e debates que superem as práticas dominantes em Psicologia (Patto, 2009).

Diante disso, fica a reflexão sobre a necessidade de se pensar uma Psicologia que possui um histórico específico, pois situada em contexto histórico, cultural e econômico específicos. Essas determinações históricas diz muito sobre como as práticas atuais tem sido desenvolvidas e pela conscientização delas é possível repensar formas Psicológicas humanizadas e coerentes com a realidade que de fato se mostra. Sendo assim, questionar a suposta neutralidade da ciência psicológica é um dos passos para desenvolver a necessidade da consciência crítica nos espaços e atuações Psi’s.

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Referências:

Antunes, M. A. M. (2012). A Psicologia no Brasil: um ensaio sobre suas contradições. Psicologia: ciência e profissão, 32 (num. esp.), 44-65.

Bock, A. M. B. (2009). Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. Em: Psicologia e o compromisso social. (pp. 15-28). São Paulo: Cortez.

Parker, I. (2014). O que é Psicologia ? Conheça a família. Em: Parker, I. Revolução na Psicologia : da alienação à emancipação. (1 Ed. pp. 17-41). Campinas-SP: Editora Alínea.

Parker, I. (2014). Psicologia como ideologia: individualismo explicado. Em: Parker, I. Revolução na Psicologia : da alienação à emancipação. (1 Ed. pp.43-65). Campinas-SP: Editora Alínea.

Patto, M. H. S. (2009). O que a história pode dizer sobre a profissão do psicólogo: a relação Psicologia e educação. Em: Psicologia e o compromisso social. (pp. 29-35). São Paulo: Cortez.

Yamamoto, O. H. (1987). Psicologia e/na história. Em: A crise e as alternativas da Psicologia . (pp. 16-29). São Paulo: Editora Edicon.

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Autora: LARISSA BRITO MENDONÇA | Psicóloga – CRP 09/14104

Psicóloga graduada pela UNIALFA. Mestranda em Psicologia pela UFG, pesquisando orientação profissional para escolas públicas com base na Psicologia Social Crítica. Utiliza como base teórica a Análise comportamental clínica. Atendimento voltado para crianças, adolescentes, adultos e idosos.

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