Infantil e educação

Amor de pai

Amor de pai

Outro dia fui ao posto de saúde, precisava colocar as vacinas em dia, e na recepção tinha um pai com os dois filhos. Ambos eram pequenos, o mais velho aparentava ter seus 4 ou 5 anos enquanto o mais novo ainda estava de fralda, mas já corria para brincar com o seu irmão mais velho. Fiquei observando a interação dos três enquanto ainda não era chamado. O mais velho corria brincando em seu mundo imaginário e o mais novo tentava acompanhar a brincadeira do seu irmão.  

 

Em um determinado momento, o pai chamou os dois para sentarem do lado dele e imediatamente pensei “Eita! Esses meninos vão levar uma bronca pra ficarem quietos.” Vi os dois correndo em direção ao pai, o mais velho sentou em um joelho enquanto o pai pegava o mais novo no colo também.  Então o pai olhou para os filhos e perguntou  “Vocês estão brincando de quê?” O filho mais velho foi explicando o mundo imaginário que ele havia criado parando a cada outra frase para poder respirar e buscar as palavras que ele precisava. Quando o filho terminou de explicar, o pai deu um beijo na cabeça de cada um e falou que os amava. 

 

Observei toda essa interação e fiquei tocado com a sensibilidade e carinho desse pai com os seus filhos pequenos.  A demonstração de afeto do pai com os filhos não é necessariamente normal para algumas gerações. Na verdade, a demonstração de afeto entre dois homens não é normal para muita gente. Conversando com alguns amigos, todos gays e na faixa dos 25 anos, percebi que mesmo aqueles que tinham pai presente não escutavam esse “Eu te amo” que vi naquele dia.  

 

Um reforçou que o pai sempre foi muito ativo e que está presente em todas as suas memórias de infância,  mas que não lembra de escutar tais palavras vindas do dele. Outro disse que os pais se divorciaram quando ainda era muito novo, mas que passava as férias com o pai  e sentia-se muito amado. Enquanto mais um relatou ter um pai presente, porém  se sentia rejeitado. A realidade foi que dos quatro ali presentes na conversa, nenhum se lembra de ter escutado essas palavras. Dessa perguntinha, não tão pequena, concordamos que esse é mais um assunto em comum nos nossos processos de terapia ou análise.  

 

Aquela cena deixou uma impressão, uma nova possibilidade de paternidade surgiu ali. Não basta fazer diferente, é preciso fazer melhor. Ser carinhoso, presente, paciente, interessado, assumir o papel de cuidador. Fazer diferente do que foi feito com você é subjetivo. Fazer diferente requer o trabalho de entender o que foi feito na sua infância, requer o trabalho e o processo terapêutico. O mais difícil talvez seja desconstruir e reconstruir a masculinidade e as figuras parentais que passaram por nossas vidas. Aceitar que o outro falhou, mas que ele também tentou.

 

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Autor:

Conrado Rocha Pereira

PSICÓLOGO | CRP 09/15567

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