A dinâmica (de alguns) relacionamentos
Freud atribui significados interessantes à palavra libido. Enquanto para a maioria é uma palavra de cunho puramente sexual, digo, relacionada apenas ao desejo sexual, Freud a articula no campo da sexualidade geral do ser humano – relacionando-a ao conceito de energia e investimento.
Quando se diz então que alguém investe muita libido no trabalho, na família, no casamento, entre outros, pode-se dizer, de forma mais simples, que ela está investindo muita energia em alguma coisa em determinado momento.
Quando se inicia uma nova relação, seja ela de amizade, amorosa ou quando se inicia em um novo emprego ou novo projeto, por exemplo, a tendência do indivíduo é de inicialmente investir mais energia naquilo que acaba de iniciar, e com o passar do tempo essa energia ou libido vai sendo “redistribuída” para outros interesses que preexistiam àquela relação – essa é uma equação completamente comum e aceitável.
Contudo, vivemos em uma cultura na qual sempre esteve implícito que diante qualquer posicionamento se perde algo. Não existe o parcialmente falso e parcialmente verdadeiro: ou é falso ou é verdadeiro, ou você gosta disso ou você gosta daquilo, ou você ama uma coisa ou você ama outra. Essa lógica – que de lógica não tem nada, diga-se de passagem – está intrínseca em questões que vão desde discussões étnicas até questões de gênero, e por sua vez está inerente também nos relacionamentos cotidianos. Esse tipo de pensamento binário leva a preocupações que poderiam ser poupadas, e que não deveriam ocupar tão facilmente as pessoas em suas relações e convivência.
E o que a lógica binária e a libido têm a ver com os relacionamentos?
Bom… O exemplo que trago diz respeito a um relacionamento amoroso, mas pode facilmente ser aplicado a qualquer outra relação que vivenciamos: relação com o trabalho, com a família, com a profissão que escolhemos ou com algum bem material que possa ser adquirido.
No início de um relacionamento amoroso, por exemplo, é extremamente comum que a pessoa invista muita libido no novo interesse. Por vezes chega a incomodar o quanto a pessoa fala do outro, ou vive de forma tão intensa e integral tudo aquilo. Há aqueles que fazem de tudo pela pessoa amada, e aqueles que deixam a própria vida para viver a vida do outro. Porém, com o passar do tempo, a libido antes investida de forma generosa naquela relação vai sendo reinvestida no trabalho, na família, nos amigos e em outras distrações. O que antes estava deliciosamente desequilibrado se equilibra novamente – ainda bem!
É aqui que entra a lógica binária – muitas pessoas, ao ver que seu par romântico voltou a se relacionar por igual com o que já havia antes dele, começam a especular e deduzir que não são mais amados, não se sentindo tão mais investidos de atenção quanto antes. Assim começa a surgir grande insegurança e medo de perder a pessoa com a qual se relaciona.
Essa é uma das grandes queixas quando se tem um casal em crise/conflito, pois quando se trata desses investimentos e desinvestimentos, cada um tem seu ritmo, intensidade e tempo. Ora se está mais ligado ao trabalho, ora a família, ora ao relacionamento amoroso, e é natural que essa dinâmica de investimento mude no decorrer dos dias e da vida.
É interessante que se tenha ciência dessa dinâmica para saber que, em geral, aquela pessoa não deixou de amá-lo ou de considera-lo importante. Sua libido e energia estão apenas distribuídas de forma outra – forma que considera você, mas que considera também outros aspectos de sua vida. Isso, se bem administrado, é muito saudável para ambos! Porém, quando não se consegue lidar com essas mudanças, é importante buscar ajuda para entendê-las e comunicar sobre elas para si mesmo e para o outro.
Imagem: Extraída do Google Imagens