A ressignificação da compulsão alimentar na obesidade e a importância da rede de apoio – Perspectiva Psicanalítica
Dentro das causas responsáveis pela obesidade, para além das questões genéticas ou hormonais, podemos encontrar também a questão da compulsividade alimentar como responsável pelo desenvolvimento da doença. O sujeito, por conta de desejos impulsivos que, muitas das vezes, ele sente dificuldade em controlá-los, passa a comer excessivamente em diversas situações. Tais desejos impulsivos aparecem em contextos onde a pessoa vivencia uma experiência que pode vir a causar uma grande carga emotiva, em especial a angústia, resultando na descarga dessa emoção no ato compulsivo de se alimentar.
Podemos entender esse comportamento compulsivo, a partir da perspectiva da psicanálise, como sendo uma tentativa de “inscrever no simbólico o que não é simbolizável”. A angústia, segundo Lacan, representa o encontro com o Real, sendo este uma das instâncias psíquicas na qual o sujeito se depara com a falta – falta esta que, como diz o psicanalista Marco Antônio Coutinho, são oriundas do recalque orgânico – processo evolutivo onde houve uma perda simbólica na espécie humana ao passar da locomoção com quatro patas para duas patas, chamada por ele de advento da bipedia – onde se tem uma perda que seria impossível de ser reposta e simbolizada. Lidar com a falta causada por esse processo evolutivo leva o sujeito a tentar se reencontrar com isso que se foi perdido, que não é nem sequer é possível nomear, por isso, não simbolizável. Nessa tentativa, a compulsão é uma resposta à essa falta como movimento de tentativa de repor o que foi perdido no intuito de se obter prazer.
Lacan nos diz que o que vem em suplência à essa falta é o amor, ou seja, o investimento nas relações é uma saída possível para o movimento compulsório que visa lidar com a falta do real. Sejam as relações com os pais, irmãos, tios, tias, vizinhos, colegas de classe, colegas de trabalho, amigos, enfim, uma relação que possibilite que o sujeito encontre meios de lidar com a falta por uma outro viés que não o da compulsão. Assim, podemos entender que as relações que o sujeito estabelece permitem que ele lide com a castração – possibilita que ele abra mão da tentativa de reencontrar o que foi perdido, permitindo que se invista em outras coisas (pessoas, objetos etc.) em que se é possível encontrar e obter prazer. A partir dessa afirmação, é possível reconhecer a importância dos sujeitos que convivem com as pessoas obesas no processo de lidar com a compulsão alimentar.
Entende-se, desse modo, que a compulsividade é uma tentativa de lidar com a falta simbólica existente na espécie humana mas que, devido à impossibilidade desse reencontro com o que foi perdido ou de simbolizar essa perda, é angustiante. A compulsividade das pessoas que a projetam na alimentação pode vir a ter, como consequência, a obesidade e o mal estar oriundo dessa enfermidade. O sujeito, na medida em que consegue lidar com sua castração, ou seja, lidar com a impossibilidade desse reencontro e abrir mão dessa tentativa, possibilita que tentativas de outros encontros sejam realizados, dessa vez, com objetos e pessoas em que se é possível encontrar.
Os amigos, familiares e colegas, assim, se apresentam como importante rede de apoio para o sujeito obeso que busca um rotina diferente e não marcada pela compulsão alimentar, permitindo assim, que esse sujeito encontre maneiras saudáveis de obtenção de prazer e que não seja prejudicial à sua saúde ou ao seu bem estar.